E era isso, a vida se resumia naquele momento: eu em minha residência com uma arma apontada para minha cabeça. Ele, o carrasco, com nervos a flor da pele pela adrenalina do momento. Estava em seu primeiro assalto, pois estava precisando muito de dinheiro, mas o sistema não favorece a quem não tem estudo ou capitais. A casa cercada por viaturas, negociadores tentando acalmar o rapaz, que por sua vez se sentia mais e mais acurralado, batia tão forte que me cortou o rosto.
Eu sentia que apesar do stress do momento, ele não teria coragem de puxar o gatilho, deu pra sentir que não era isso que ele queria, ele precisava apenas de uma oportunidade.
Você se lembra da sua infância? Indaguei. Seus olhos se encheram de água e ele me mandoueu ficar quieto. Continuei: rapaz, não foi isso que você sonhou pro seu futuro quando era uma criança inocente, aposto que sonhava ter algo bom e não ser culpado e condenado por morte e por roubo. Ele baixou as mãos e o olhar e começou a falar: sabe, não tive uma infância digna. Nasci e cresci em uma comunidade pobre, não tinha quase nada na minha casa, comida? Às vezes ia dormir com dor de estomago de tanta fome. Tive que sair da escola pra ajudar em casa, meu pai não conseguia nos sustentar. Hoje sou casado, e passo pelas mesmas situações que passei na infância, e queria poder dar o melhor pro meu filho, mas veja negro, pobre e sem estudo, quem iria dar uma oportunidade parar mim? Ninguém, moço, ninguém.
O governo que deveria nos dar uma base pra mudar de vida nada faz, ninguém quer saber se amanha meu filho vai ter o que comer. Por isso estou nesse ultimo ato de desespero.
As palavras daquele rapaz soaram em minha cabeça como sinos de natal, me senti hipócrita por muitas vezes reclamar das coisas que acontecem comigo. Senti compaixão, ao ver ele se entregar para policia. Jogaram-no ao chão e batiam. Chamavam de vagabundo e outras coisas. Fui acompanhado até o batalhão para registrar a queixa.
Queixa, pensei, e o rapaz o que será da família Del se for preso? Isso ajudaria em algo? E se ele ficasse solto, tentaria novamente? E o que eu poderia fazer para ajudar?
Desisti da acusação, e o ajudei a encontrar um novo emprego.
No primeiro dia de serviço fui levar um presente para o filho dele e disse: dê a infância que você não teve para seu filho. E como maior presente que ganhei até hoje ele me olhou chorando e disse: obrigado.