sábado, 14 de agosto de 2010

O Sequestro


E era isso, a vida se resumia naquele momento: eu em minha residência com uma arma apontada para minha cabeça. Ele, o carrasco, com nervos a flor da pele pela adrenalina do momento. Estava em seu primeiro assalto, pois estava precisando muito de dinheiro, mas o sistema não favorece a quem não tem estudo ou capitais. A casa cercada por viaturas, negociadores tentando acalmar o rapaz, que por sua vez se sentia mais e mais acurralado, batia tão forte que me cortou o rosto.
Eu sentia que apesar do stress do momento, ele não teria coragem de puxar o gatilho, deu pra sentir que não era isso que ele queria, ele precisava apenas de uma oportunidade.
Você se lembra da sua infância? Indaguei. Seus olhos se encheram de água e ele me mandoueu ficar quieto. Continuei: rapaz, não foi isso que você sonhou pro seu futuro quando era uma criança inocente, aposto que sonhava ter algo bom e não ser culpado e condenado por morte e por roubo. Ele baixou as mãos e o olhar e começou a falar: sabe, não tive uma infância digna. Nasci e cresci em uma comunidade pobre, não tinha quase nada na minha casa, comida? Às vezes ia dormir com dor de estomago de tanta fome. Tive que sair da escola pra ajudar em casa, meu pai não conseguia nos sustentar. Hoje sou casado, e passo pelas mesmas situações que passei na infância, e queria poder dar o melhor pro meu filho, mas veja negro, pobre e sem estudo, quem iria dar uma oportunidade parar mim? Ninguém, moço, ninguém.
O governo que deveria nos dar uma base pra mudar de vida nada faz, ninguém quer saber se amanha meu filho vai ter o que comer. Por isso estou nesse ultimo ato de desespero.
As palavras daquele rapaz soaram em minha cabeça como sinos de natal, me senti hipócrita por muitas vezes reclamar das coisas que acontecem comigo. Senti compaixão, ao ver ele se entregar para policia. Jogaram-no ao chão e batiam. Chamavam de vagabundo e outras coisas. Fui acompanhado até o batalhão para registrar a queixa.
Queixa, pensei, e o rapaz o que será da família Del se for preso? Isso ajudaria em algo? E se ele ficasse solto, tentaria novamente? E o que eu poderia fazer para ajudar?
Desisti da acusação, e o ajudei a encontrar um novo emprego.
No primeiro dia de serviço fui levar um presente para o filho dele e disse: dê a infância que você não teve para seu filho. E como maior presente que ganhei até hoje ele me olhou chorando e disse: obrigado.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O navio




Não dá pra negar, o navio já deixou o porto. Abrindo passagem no imenso oceano azul e levando consigo   meu coração. Ainda vejo seu rosto chorando ao acenar-me, dizendo que voltaria em breve.
Lembro-me de suas palavras dizendo que está seria uma viagem inaugural, e que seu pai por ser um homem de posses, conseguiu comprar três passagens na alta classe que estaria a bordo.
O que mais poderia eu fazer? Lutar contra a vontade do pai, sabendo que o seu namoro comigo já era repreendido por ele. Calei-me, e no momento apenas sorri, dizendo que sentiria sua falta. Seu destino final seria Nova York, seria...
Alguns dizem que foi obra de Deus, outros julgam apenas como uma catástrofe e eu, eu considerava a idéia de que a coisa que mais amei tinha partido. Junto com ela mais 1.516 pessoas.
Ela foi dada como desaparecida e apesar de todos os contras, até mesmo minha descrença que gostaria de acreditar que ela um dia iria aparecer e dizer: “Ei”, eu estou bem...
Todos os dias volto a esse porto, talvez parar me iludir mais um pouco, e espero. Quem sabe tudo isso não foi apenas um sonho e eu acorde satisfeito por nunca ter acontecido? Ou até mesmo, que ela tenha se salvado e estivesse pensando em mim e em retornar.
Se eu pudesse lhe dizer algo, voltaria ao dia de sua partida e diria: volte logo meu amor, que eu te esperarei eternamente.

domingo, 1 de agosto de 2010

O Viaduto


Antonio se sentia sufocado.
Mesmo com seus 20 e poucos anos de vida, o peso da indignação o fazia sofrer. Talvez fossem só os problemas que tinha, ou apenas a força do medo de tentar lutar contra o que lhe causava dor.
E ali estava parado no parapeito do viaduto, a observar os carros que passavam em alta velocidade lá em baixo, e imaginou o quão bom seria se livrar da dor.
No peito o coração já não batia, suplicava como uma batida de marreta, a mente perturbada pelas cenas que havia visto até antes de chegar à ponte.
Não tinha mais nada a perder, pois a família já o tinha negado, seu grande amor, forçado a deixá-lo e suas ultimas esperanças mortas.
Não suportou mais a condição inumana em que se encontrava, não entendia o que era o preconceito e por que a razão de ser considerado diferente dos demais. Não conseguia acreditar que ainda hoje sua opção não era aceita. Ele era normal um ser saudável como os outros, mas a sociedade o classificava como um imundo, imoral e desonrado.
Com as lagrimas rolando atravessou o parapeito se segurando firme. Tinha decidido iria soltar.
Sua mente estava tranqüila ele sentia o vendo entrar nas narinas aliviando a dor no peito, e com o semblante sereno saltou para a sua liberdade.
Mas por ironia outro jovem chorou e seu nome gritou, não entendia por que Antonio havia pulado. E na dor do amor que se partira parou e olhou no parapeito do viaduto.
E por fim entendera que essa era a única maneira de ficar livre e perto do grande amor. Não precisou de coragem, atravessou o parapeito no mesmo ponto soltou o corpo e apenas disse: espera-me Antonio, eu o amo...